Vol. 60 N.º 238 (2000): Fé cristã: sincretismo ou inculturação?
As realizações e perspectivas técnicas em matéria de comunicação fascinam hoje milhões de pessoas. Este fenômeno, porquanto agravado pela lentidão na democratização dos resultados, pela sempre renovada defasagem entre invenção e aplicação e pelo jogo de poder-domínio que o envolve, consciente ou inconscientemente, não só fascina, como também influencia multidões. Conseqtientemente, existe a possibilidade de se tomar maior consciência de que vivemos numa aldeia global pluralista, também em termos religiosos. Por isso, certamente, a cultura do diálogo ganha força; minha (ou nossa) configuração da experiência humana e religiosa pode ser melhor percebida como sendo uma entre outras; estas ou algumas destas outras culturas, talvez para mim (ou para nós) à primeira vista estranhas, podem ser percebidas numa surpreendente coerência. Em outras palavras, as formulações religiosas podem ser vistas como expressão da primordial função de toda a religião: re-ligar, estabelecer pontes e criar comunhão entre a finitude e o infinito, o imanente e o transcendente, o caos e a ordem. Além disso, a relação entre as pessoas, sujeitos da produção cultural, provoca mútua e pluriforme influência na própria formulação da experiência religiosa. Por isso, o conhecido fenômeno do sincretismo religioso pode ser visto como processo e desafio de inculturação. E, afinal, qual a pertinência pastoral de tudo isto, particularmente no Brasil? Mário de França Miranda nos ajuda na tarefa deste discernimento.
As atuais condições de vida, estabelecidas pelo pensamento económico neoliberal e pela corrida técnico-científica, implicam em mudanças que, não raro, significam perdas (bens, trabalho etc.) e impõem para muitos um regime de migração, senão mesmo de exclusão social. Sem justificar as razões da sobrevinda migração, Paulo Suess ressalta três dimensões que emergem da experiência dos peregrinos e que questionam os fundamentos da atual ordem econômico-social: “a gratuidade, que questiona a lógica do mercado; a proximidade, que contesta a indiferença; e a universa¬lidade, que contracena com a globalização excludente”.
Renata de Castro Menezes identifica e avalia, do ponto de vista antropológico, algumas características da Festa de Nossa Senhora da Penha, no Rio de Janeiro. Ela analisa o fenômeno religioso enquanto romaria da festa e visita festiva à santa. Ressalta as relações de reciprocidade que se estabelecem entre os devotos e a santa, ou, poderíamos também dizer, entre o profano e o sagrado. O estudo é interessante e importante justamente por chamar a atenção para a cultura religiosa, que poderíamos classificar de “popular”, que é fruto de dimensões humanas e teológicas profundas e que a elas remete. São manifestações religiosas, verificáveis sobretudo em santuários e que à pastoral ali desenvolvida não podem passar despercebidas.
Neste final de milénio, o esquema de celebrações convencionado pela Igreja Católica reserva, para este ano, o convite para ação de graças à Santíssima Trindade. Luís Kirchner, num belo trocadilho, ressalta que, de modo particular, a família é sacramento da Trindade e que esta é arquétipo daquela. Por isso, seu estudo, além de ser um estímulo à glorificação da Trindade, o é também à valorização dos laços familiares, criados a partir da comunhão de vida e de amor, por mais que pesem sobre as famílias os desafios das condições sociais de hoje.
Elói Dionísio Piva, ofm
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