Distanásia: o tratamento médico fútil e/ou inútil. Da angústia à serenidade do equacionamento bioético

Autores

  • William Saad Hossne Centro Universitário São Camilo – SP
  • Leo Pessini Centro Universitário São Camilo – SP

DOI:

https://doi.org/10.29386/reb.v75i300.261

Palavras-chave:

Bioética, Distanásia, Tratamento fútil, Cuidado, Philia

Resumo

Síntese: O prolongamento sofrido do processo do morrer, que mais acrescenta sofrimento e prorroga morte, é uma das questões bioéticas mais complexas e debatidas hoje, no contexto de cuidados de final de vida. A complexidade inicia-se na própria definição semântica desta problemática bioética. Nossa busca é marcada pela “angústia criativa” (não a patológica que nos paralisa frente à vida) que busca identificar vários termos e neologismos para nomear e definir a questão bioética: distanásia, medicina/e/ou tratamento fútil e inútil, e para definir aquela ação diagnóstica e terapêutica médica que já não mais beneficia o paciente em sua fase final de vida. Para o equacionamento da problemática bioética buscamos luzes na literatura científica médica e bioética internacional, bem como na tradição da ética médica brasileira, em sua versão codificada. Embora um determinado tratamento possa ser fútil e, portanto, inútil, o cuidado nunca será fútil e inútil. No coração de toda ação de cuidar deve estar presente a “philia” (amor, amizade). Podemos, sim, ser curados de uma doença mortal, mas não de nossa mortalidade e finitude. Nossa condição de existir não é uma patologia. Quando esquecemos isto, caímos na tecnolatria, e os instrumentos de cura e cuidado facilmente se transformam em ferramentas de tortura. O presente artigo procura apresentar uma metodologia de como lidar com estas situações eticamente conflitivas, ao aprofundar alguns conceitos éticos fundamentais, tais como: processo de deliberação, decisão e responsabilidade médica e o papel de comissões de bioética. A busca do adequado equacionamento ajuda-os na trajetória que vai da angústia à serenidade.

Palavras-chave: Bioética. Distanásia. Tratamento fútil. Cuidado. Philia.

Abstract: The painful extension of the dying process, which brings more suffering and delays death, is one of the most complex bioethical issues discussed today in the context of end of life care. The complexity begins in the very semantic definition of this bioethical problem. Our quest is marked by a “creative anguish” (not by the pathological one that paralyzes us in the face of life) that seeks to identify various terms and neologisms, in order to give a name to and define the bioethical issue: dysthanasia, futile and useless medicine and/or treatment; and also in order to define that diagnostic action and medical therapy that no longer benefits the patient in his/her final stage of life. For the equating of this bioethical problem, we look for some light in the medical scientific literature and in international bioethics, as well as in the tradition of the brazilian medical ethics in its codified version. Although a particular treatment can be futile and therefore useless, care will never be futile and useless. At the heart of every act of caring “philia” (love, friendship) must be present. Yes, we may be cured of a deadly disease, but not of our mortality and finitude. The condition of existing is not a pathology. When we forget this, we fall into the technolatry, and the instruments of healing and care easily turn into instruments of torture. This article attempts to present a methodology for dealing with these ethically conflictive situations, as it deals with some basic ethical concepts such as deliberation, decision and medical liability and the role of bioethical committees. The search for the appropriate equation helps us in the path that goes from anguish to serenity.

Keywords: Bioethics. Dysthanasia. Futile treatment. Care. Philia.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

William Saad Hossne, Centro Universitário São Camilo – SP

 

* Médico. Professor emérito da Faculdade de Medicina da Unesp. Coordenador do Programa de Pós-Graduação (Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado) em Bioética do Centro Universitário São Camilo – SP. Ex-Presidente da CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos/Ministério da Saúde – Conselho Nacional da Saúde (Brasília – DF). Coeditor da Revista científica Bioetikós, do Centro Universitário São Camilo.

Leo Pessini, Centro Universitário São Camilo – SP

Filósofo/Teólogo. Doutor em Teologia Moral e Bioética pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. Professor no Programa de Pós-graduação em Bioética do Centro Universitário São Camilo – SP. Pós Doutor em Bioética pela Edinboro University (Pensilvania, EUA). Autor de inúmeras obras no âmbito da Teologia Moral e da Bioética, entre outras: Bioética em tempos de globalização: a caminho da desigualdade e indiferença ou solidarieadae? (São Paulo: Edições Loyola, 2015). Atualmente é Superior Geral dos Camilianos (2014-2020) e reside em Roma (Itália).

Referências

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 211 (Os Pensadores).

BAHERI, Alireza (Org.). Medical Futility: A cross-national study. London: Imperial College Press, 2013.

BEDELL, S.E.; DELBANCO, T.I; COOK, E.F.; EPSTEINS, F.H.

Survival after cardiopulmonary resuscitation in the hospital. New Eng. J. Med., v. 309, n. 10, p. 569-576, 1983.

BERNAT, J.L. Medical futility. Definition, determination and disputes in critical care. Neurocritical Care, v. 5, n. 2, p. 198-205, 2005.

BERTACHINI L.; PESSINI, L. (Org.). Encanto e responsabilidade no cuidado da vida: lidando com desafios éticos em situações críticas e de final de vida. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Paulinas, 2011.

BLANK, R.J.; MARRICK, J.C. (Ed.). End-of-life decision making: A cross-national study. Cambridge, MA: MIT Press, 2005.

BOBBIO, N. Elogio da serenidade. São Paulo: Unesp, 2000.

CALLAHAN, D. Setting limits medical goals in an aging society. New York: Simon & Schuster Inc., 1987.

______. False Hopes: overcoming the obstacles to a sustainable, affordable medicine. New Brunswick: Rutgers University Press, 1999.

CFM – Conselho Federal de Medicina. Na fase terminal de enfermidades graves e terminais é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do paciente... Resolução CFM no 1805/2006. Diário Oficial da União (DOU), secção I, p. 169ss, 28 de novembro de 2006.

______. Código de Ética Médica. Resolução CFM no 1931/09. Diário Oficial da União (DOU), secção I, p. 90-91, 24 de setembro de 2009.

______. Dispõe sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade do paciente. Resolução CFM no 1995/12. Diário Oficial da União, secção I, p. 26970, 31 de agosto de 2012.

CRANFORD, R.E.; GOSTIN, L. Futility: a concept in search of a definition. Law Med. Health Care, v. 20, n. 4, p. 307-309, 1992.

DZIWISZ, S.; DRAZEK, C.; BUZZONETTI, R.; COMASTRI, A.

Deixem-me partir: o poder da fraqueza de João Paulo II. São Paulo: Paulus, 2006.

EWER, M.S. The definition medical futility: are we trying to define the wrong term? Heart & Lung, v. 30, n. 1, p. 3-4, 2001.

FERREIRA A.B.H. Aurélio século XXI – O Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FRICK, S.; UEHLINGER, D.E.; ZENKLUSEN, R.M.Z. Medical fu-

tility predicting outcome in intensive care unit patients by nurses and doctors – a prospective comparative study. Crit. Care Med., v. 31, n. 2, p. 456-461, 2003 (in Bernat).

HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Edição em alemão e português. Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas/Petrópolis: Unicamp/Vozes, 2012 (Cf. especialmente o primeiro capítulo da segunda seção: “o possível ser-um-todo do Dasein e o ser para a morte”, § 46-53, p. 653-733).

HELAND, M. Fruitful or futile: intensive care nurses’ experiences and perceptions of medical futility. Australian Critical Care, v. 19, n. 1, p. 2531, 2006.

HIPPOCRATIC CORPUS. The Art, in: REISER S.J.; DYCK A.J.;

CURRAN N.J. (Ed.). Ethics in medicine: historical perspectives and contemporary concerns. Cambridge: Mit Press, 1977, p. 6-7.

HOSSNE, WS. Bioética-princípios ou referenciais? O Mundo da Saúde, v. 30, n. 4, p 673-676, 2006.

______. Sobre as incertezas na ciência, in: PESSINI, L.; SIQUEIRA, J.E., HOSSNE, W.S. (Org.). Bioética em tempo de incertezas. São Paulo: Loyola, 2010, p. 79-106.

______. Bioética clínica: perspectivas a partir das Diretrizes Éticas para a Pesquisa em Seres Humanos no Brasil, in: PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P.; HOSSNE, W.S.; ANJOS, M.F. Ética e bioética clínica no pluralismo e diversidade: teorias, experiências e perspectivas. São Paulo: Centro Universitário São Camilo/Ideias e Letras, 2012, p. 229-249.

INSTITUTO ANTôNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

JOãO PAULO II. Encíclica Evangelium vitae. São Paulo: Loyola, 2005.

LO, B. Resolving ethical dilemmas. A guide for clinicians. 2. ed. London: Lippincott Willians e Wilkins, 2000, p. 72.

MANON, S. Platão. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MARTIN L. A ética médica diante do paciente terminal: leitura ético-teológica da relação médico-paciente terminal nos códigos brasileiros de ética médica. Aparecida: Santuário, 1993.

______. Eutanásia, mistanásia, distanásia, ortotanásia, in: CINÀ, G.; LOCCI, E.; ROCCHETTA, C.; SANDRIN, L. (Ed.). Dicionário interdisciplinar da pastoral da saúde. São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo; Paulus, 1999, p. 467-482.

McCRARY, S.V., SWANSON, J.W., YOUNGER, S.J., PERKINS, H.S., WINSLADE, W.J. Physician’s quantitative assessments of medical futility. J. Clin. Ethics, v. 5, n. 2, p. 100-105, 1994 (In Mc Intosh).

McINTOSH, B. Medical futility. Northeast Florida med. Supp. p. 23-27, 2008. .

MILES, S.H. Futile feeding at the end of life. Family virtues and treatment decisions. The critical Med., v. 8, n. 3, p. 123-131, 2011.

MORITZ, R.D. (Org.). Conflitos bioéticos do viver e do morrer. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2011.

NEVES, N. (Org.). A medicina para além das normas: reflexões sobre o novo Código de Ética Médica. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010.

PAPA FRANCISCO. Discurso aos participantes na plenária da Pontifícia Academia para a Vida. Sala Clementina. Quinta-feira, 5 de março de 2015. Disponível no site: w2.vatican.va. Discursos do Papa Francisco. Acesso realizado em 15 de agosto de 2015.

PESSINI, L. Distanásia: até quando prolongar a vida. 2. ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2004.

______. Ethical questions related to end-of-life decisions: the brazilian reality, in: BLANK, R.J.; MARRICK, J.C. (Ed.). End-of-life decision making: a cross-national study. Cambridge, MA: MIT Press, 2005, p. 13-31.

______; HOSSNE, W.S. The reality of Medical Futility (Dystanasia) in Brasil, in: BAHERI, A. (Org.). Medical futility: a cross-national study. London: Imperial College Press, 2013, Chapter 2.

______; BARCHIFONTAINE, C.P.; HOSSNE, W.S.; ANJOS, M.F.

Ética e bioética clínica no pluralismo e diversidade: teorias, experiências e perspectivas. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Ideias e Letras, 2012.

PLATãO. A república. Livro III, Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ediouro; Globo S.A., s.d., p. 118 (Coleção Universidade).

______. Crátilo. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

RUBIN, S.B. When doctors say no: the battleground of medical futility. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1998.

SCHNEIDERMAN, L.J.; JECKER, N.S.; JONSEN, A.R. Medical fu-

tility: its meaning and ethical implications. Ann. Int. Med., v. 112, n. 12, p. 949-954, 1990.

______; JEEKER, N.S. Wrong medicine: doctors, patients, and futile treatment. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1995.

______. Embracing our mortality: hard choices in an age of medical miracles. Oxford: Oxford Press, 2008.

______. Defining medical futility and improving medical care. Journal of Bioethical Inquiry, v. 8, n. 2, p. 123-131, 2011.

WIJDICK, E.F. Brain death worldwide accepted fact but no global consensus in diagnostic criteria. Neurology, v. 58, n. 1, p. 20-25, 2002.

ZUCKER, M.B.; ZUCKER H.D. Medical Futility and evaluation of life-sustaining interventions. Melbourne: Cambridge University Press, 1977.

Downloads

Publicado

2015-08-13

Como Citar

Hossne, W. S., & Pessini, L. (2015). Distanásia: o tratamento médico fútil e/ou inútil. Da angústia à serenidade do equacionamento bioético. Revista Eclesiástica Brasileira, 75(300), 776–808. https://doi.org/10.29386/reb.v75i300.261